12/06/11

Antes as casas só tinham um tecto, não havia para onde fugir. Agora escondemo-nos todos atrás de uma porta, porque são vários os tectos, e ligamos a televisão para fingirmos que não há silêncio. Mas há. E ele enche-me a cabeça, só a cabeça, porque se há coisa que acaba esgotando são as dores, essas que, se parecem um poço sem fundo, não são: quando mais nos escavam o peito, mais duro fica o chão. E chega uma altura em que as muralhas avançaram um bocado e os canhões já não chegam aqui, também não chegam aqui. Território seguro. A ela, que é pequenina, comem-lhe as palavras. Gostava de lhe segurar no peito quando lhe falta o ar. Tem calma e respira, pequenina. Espero que não dês razão aos livros, que proves a todos que és forte. Porque não, nunca te faltou amor, nunca nos faltou amor. Mas faltou felicidade, sim. Como havemos de crer em casas se a nossa tem vindo a ser desconstruída, pecinha a pecinha? E não entramos já todos ao mesmo tempo e se não fosse a televisão, não se ouviria um som. Respira, pequenina, respira. Gostava que não te fechasses no quarto, queria levar-te comigo. E fingíamos que tínhamos uma casa quentinha, que à noite nos sentamos todos no sofá e desligamos a televisão, porque temos sempre coisas para dizer. Como podemos nós crer na felicidade se a vemos ser rebatida a cada dia? Se há coisa que não nos falta é o amor. Mas há dias em que o bom senso se perde e até hoje nunca percebi porque hão-de puxar cada um para seu lado com o propósito de ver quem puxa mais longe desta vez. Não seria melhor largar a corda e ir embora, cada um em seu caminho? A destruição recíproca tem efeitos externalizadores e por mais portas que tenham as casas de hoje, uma casa não é uma casa se elas não estiverem abertas. No fundo, no fundo, só queria poder apagar-vos todas as dores e ordenar que sejam felizes. A vida é muito pequena para esta mútua destruição.