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30/03/13
sempre sempre sempre
Estou infinitamente cansada de tudo o que foi e temerosamente expectante com aquilo que vem. Talvez não me saiba explicar: estou sempre à procura de alguma coisa. Não só das coisas pequenas que perdi, mas das coisas grandes que me fazem falta. Vai sempre haver uma coisa grande a fazer falta, resta saber quando é que me vou fartar de procurar. (Quanto mais comes mais o estômago dilata? Comes muito e ficas cada vez com mais fome?) É muito triste ser assim. Estou sempre infinitamente cansada do que é, e incansavelmente desejosa do infinito. E daquilo que já foi? Dói-me no fundo, sim. Não posso negar que sou mais saudosista do que futurista. Provavelmente, o que de grande me faz falta é algo pequeno que perdi. Estou sempre à procura de uma casa quente, com uma lareira enorme, porque uma vez tive tanto frio que nunca a memória o vai esquecer.
06/02/13
08.01.2012
Não havia, para ela, lugar de maior encanto (de entre os poucos lugares que conhecia dos infinitos existentes no planeta terra) que a sala de cima da casa dos avós. Praticamente intocada ao longo do ano, era dominada por uma quietude permanente interrompida apenas pelas vassouradas da avó no primeiro sábado de cada mês, que pouco efeito tinham no combate à espessa e quieta camada de pó que repousava sobre tudo. E era assim que mais gostava dela. Assim, escura, fria e húmida, ausente de pessoas, como um lugar de outros tempos. Assim e não como no domingo de Natal, cheia de cheiro a doces e assados e gargalhadas de pessoas. E assim, quieta e escura, transportava-A para um passado que não vivera. E, enquanto deitada no sofá verde-musgo, olhava para o candeeiro do tecto que imitava flores em cacho, pensava: quero ser este passado que nunca tive mas que se inscreve em mim como memórias reais de outros tempos. Como se eu tivesse vivido toda a história recente do meu país, como se tivesse ficado inscrita no meu ADN, gravada em impulsos eléctricos cerebrais. Quero reencarnar essa parte morta de uma vida minha que não vivi. De uma vida minha que é dos meus avós. E ser o meu país todo ao mesmo tempo.
05/11/12
até ao fim (ou momento de auto-aprendizagem)
Que há para temer? Só temos de sugar tudo até ao tutano, porque aceitamos que tudo acaba e queremos aproveitar o seu máximo. Só temos de beber cada gota, pisar todas as pedras, dar todos os beijos, rir todas as vezes e aceitar que tudo acaba, nada durará para sempre. Mas enquanto durar nada temos para temer, desde que mastiguemos cada pedaço, choremos cada lágrima, sintamos todas as dores. E depois quando chegar ao fim ao menos vivemos tudo
por completo. Nada acaba antes de ter de acabar, e nada dura mais do que tem de durar. Então para quê andar enganado a procurar o infindável? Quanto mais coisas acabarem, mas coisas novas começarão.
28/10/12
Quando aquilo que precisas é aquilo que te faz sofrer
Se calhar é porque sempre vi tristeza à minha volta. Lembro-me bem do que é estar triste, ser triste. Sei bem o que é esse nó na garganta, esse sentimento de abandono. É me tão familiar, é quase a base de tudo. E se calhar é por causa disso que precisei de ti, e se calhar é por causa disso que agora já não preciso. Porque - não sei o que se passa - tens transformado a minha tristeza em raiva com toda a tua raiva. Estou tão cansada de ti, de mim, de nós dois juntos. Estou mesmo cansada, até ao fundinho de mim, e chega uma altura em que o cansaço vence tudo. Tenho tido tanta vontade de dormir horas e horas, não quero acordar nunca. Para quê estar acordada? Que sentido faz viver os dias a querer sair de mim? Que sentido faz viver os dias num misto de te querer abraçar e não suportar os teus abraços? Costumavas fazer-me querer agarrar-me bem a mim, para poder estar toda contigo. Agora só me fazes querer fugir. De mim e de aqui. Estou tão cansada e desiludida. Sinto-me sozinha outra vez.
Não tarda muito vais ver-me fugir.
17/06/12
nunca me deixes
Pequenos passos, pernas cruzadas, ou correrias, pés de lã, pés de chumbo, sem pés. Tanto faz. Caminham (é mais ou menos um caminhar) pela minha cabeça. São milhares ou milhões, barulhentos ou silenciosos, tanto faz. Mas vagueiam pela minha cabeça. Se são grandes, tornam-se em grandes medos. Paraliso. Não gosto, odeio, paralisar. Mas são pouquinhos, ou então muitos, e correm, nadam, voam, fogem, perseguem, e não me deixam sentir, talvez por sentir demais.
02/05/12
Disse-lhe assim, um pouco alto demais: fosse eu saber o que agora sei, seriam menos as lágrimas. Mas logo me apercebi quão falsa soava tal asserção correndo dos meus lábios. Não há forma de esgotar estes olhos, que ele diz que são grandes e brilhantes, não há forma de os calar, são como fontes jorrantes (será por isso que brilham?), como pássaros cantantes, como rios desgastantes. E a água que deles jorra é como mel adocicado que me deixa as bochechas rosadas de açúcar. E ele vem mordê-las, beijá-las, cheirá-las com uma inspiração forte com que percorre o meu rosto todo. E então calei-me, engoli os medos (estes que sempre caminham no limbo da histeria), agarrei-lhe os dedos, e trouxe-os para o meu peito. Vês como bate tão rápido? Fosse eu saber o que agora sei, teria devolvido a encomenda onde me veio o coração.
09/04/12
i get mad when i don't get what i want when i want it.
São muitas as vezes em que é tão intensa a dor de ser, tão pesado o coração no peito batente, o sangue correndo nas veias tão fervente, quentes os olhos, rijos os dentes, e existir torna-se tão insuportável que me apetece fechar os olhos e deixar de sentir o que quer que seja, não ser nada, não pensar nada, não ver nada, não querer nada, não saber nada. Nada. Puro nada. Por uns minutos. Por umas horas. Por uns dias. Por uns momentos.
20/02/12
Crescer é deixar de ter medo que monstros nos ataquem a meio do sono, para nos tornarmos nós próprios esses temidos monstros, martelando e massacrando as nossas cabeças exaustas, deitadas no cume dos nossos corpos esgotados, para sempre, sem podermos de nós mesmos fugir. Crescer é deixar de nos perguntarmos quem somos e onde pertencemos, para passarmos a negarmos peremptoriamente as conclusões a que chegámos sobre nós mesmos. Crescer é trocar o sabor da simplicidade de um momento de pura alegria pela agonia desesperante de um momento de pura insatisfação. Crescer é desistir a pouco e pouco de encontrar um sentido para a perpétua e até risível injustiça da vida e concluir que nenhuma ordem moral jamais habitará na aleatoriedade dos factos. Crescer é ganhar controlo sobre a nossa própria vida e perceber que pouco da vida está sujeito ao nosso controlo. Crescer é bater com a testa num vidro duro e gelado de uma montra baça e ser finalmente forçado a encarar o que está do lado de lá.
24/01/12
Antes de ti eu vivia para as sextas feiras. Arrastavam-se os dias, ditos úteis, como massa de pão a escorregar lentamente por uma colher de pau. Arrastavam-se como velhas a atravessar a estrada num dia de pressa. E depois os dois dias de fim semana corriam ao sabor de dois minutos. Pareciam água a ser sugada ralo abaixo, aspirada pela força centrífuga. Um martírio. Mas um martírio tão frequente que ganhou moldes de quotidiano e tornou-se rotina. A rotina torna o difícil em menos difícil, e ao fim de alguns meses tornou-se fácil: suster a respiração à segunda feira, e ir largando ar pouco a pouco, até quinta feira à noite, hora de fazer a mala, expeli-lo de uma só vez, para ter os pulmões livres sexta feira e enchê-los do puro ar da casa. Domingo ao fim da tarde começava o nó a formar-se na garganta, um nó que eu logo reprimia convencendo-me que era só um suster de ar até voltar a ser sexta feira.
Mas depois apareceste e trocaste as voltas ao relógio. Desapareceu o martírio dos cinco dias de semana. Ganhei um novo pesar: o da constante e inelutável divisão de quereres. Quero estar aqui, quero estar em casa, quero estar em casa quando estou aqui e aqui quando estou em casa. Se sempre que venho a casa me lembro porque me aperta a garganta sempre que é hora de deixá-la, é certo também que em casa faltas-me tu, e a tua falta lembra-me porque é que me custa tanto sair daqui.
Mas depois apareceste e trocaste as voltas ao relógio. Desapareceu o martírio dos cinco dias de semana. Ganhei um novo pesar: o da constante e inelutável divisão de quereres. Quero estar aqui, quero estar em casa, quero estar em casa quando estou aqui e aqui quando estou em casa. Se sempre que venho a casa me lembro porque me aperta a garganta sempre que é hora de deixá-la, é certo também que em casa faltas-me tu, e a tua falta lembra-me porque é que me custa tanto sair daqui.
22/01/12
semi-heterónimo
Mordo os lábios para espantar o sono. Ou para chamar o sono, não sei. Há hábitos que se criam, como o de recalcar medos à hora de deitar, folheá-los como revistas leves em tardes de verão, comê-los como cerejas, uma a seguir à outra, outro a seguir ao outro - e assim tornar-se o pouco no muito, o aceitável no insuportável. Criam-se, estes hábitos. Não nascem connosco. Tanto que ultimamente o que me tem pesado é o cansaço. Cansaço como uma corda áspera e desfiada presa a um peso que me pesa para baixo. Mergulho, fecho os olhos, e vou. Ultimamente pouco do medo tem reinado na hora antes de adormecer. Mas se os hábitos se contrariam, logo arranjam maneira de subir ao de cima, ou de emergir de baixo, não saberei determinar. O certo é que de uma maneira ou outra, lá estão eles: em sonhos ou pesadelos, dependendo da terminologia adoptada, habitam a noite. E se adormeci com o coração acelerado, com ele acelerado despertei. E se há cansaço antes de fechar os olhos, a primeira coisa em que reparo quando acordo é que ele não me abandonou ainda. O que me vale são os teus braços quentes e o cheiro do teu pescoço, os teus olhos sempre iluminados e sempre a iluminar-me: o que me vale é que por entre tanto medo e tanto cansaço a tomar-me de ponta, a tomar-me a mim, ainda quero ter-me inteira para te dar a ti. E é por isso que luto todos os dias por manter a sanidade mental, dentro das balizas do humanamente possível - não desconsideremos que todas as pessoas perdem a partir de dada idade parte ou a totalidade da dita sanidade -, manter a esperança, não tomar tudo como derrotas prováveis, falhanços inevitáveis, e querer ser inteira contigo. Inteiramente feliz contigo.
24/12/11
quem nos levou o natal?
Arranha a pele da ponta dos polegares e sonha com o dia em que vai ser grande e não vai ter medo de dormir sozinha. Fecha os olhos com muita força até lhe doerem as córneas. Não posso abrir, não posso abrir, não posso abrir. Abre-os outra vez e, a medo, cede: não há monstros à minha espera. Pensa em gritar pela mãe só para testar a facilidade da comunicação e a relação tempo/distância entre a sala e o quarto. Mas desiste da ideia quando se lembra do Pedro e o Lobo. Lamenta de si para si o medo do sono logo hoje. Olha para o relógio, é quase meia noite. Pensa que em breve o escuro se vai apoderar dela e o medo será tão grande que não haverá como evitar levantar-se da cama e caminhar lentamente até à sala: o caminho da derrota. E a ideia do medo que virá cresce tanto que tem de ligar a luz antes mesmo de os seus olhos se habituarem à escuridão. Respira fundo, agarra a almofada, deixa a luz ligada e decide que está calma o suficiente para dormir. Porque amanhã é Natal e nada de mau acontece no Natal.
07/09/11
Se ao menos pudesse sentir-te o coração, pegá-lo nas mãos e palpar-lhe as cicatrizes. Mas tem-no bem guardado nesses invólucros opacos, tão escondido. E porquê? Não sabes o que é isso de ser mais que um, pegar num e fazer dois. Não sabes, e como poderias saber se ninguém nasce a saber? Se ao menos pudesse sentir-te o coração, se ao menos pudesse ver os teus olhos, beijá-los e sentir as lágrimas que nele correram. Se ao menos pudesse sentir-te a palpitar nas minhas veias, ouvir o teu eco nos meus pensamentos, afagar os teus cabelos e sentir-te o coração. E assim afogar a solidão.
24/08/11
Vejo-os embrenhados no seu amor infantil e lembro-me como eu própria mergulhei nessa inocência. Parece que foi há muito tempo, mas também sabe a memória de ontem (e isto anda a acontecer-me frequentemente). Vejo-os e sei que quero sentir outra vez o formigueiro na barriga dos telefonemas à noite, a vontade de fotografar as mãos dele, os lábios dele, os olhos dele. Sei que quero escrever coisas cor-de-rosa no meu caderninho, que quero sonhar em dormir nos braços dele, que quero sentir-me leve e ser sorrisos, sorrisos, sorrisos. Sei que é isso que quero, mas sinto que dele não vou ter nada disso. Faz-me sentir pesada e não leve, quente e não fresca, velha e não criança. Sei também que não posso esperar sentir a mesma coisa outra vez, porque é de fonte segura que ouço que a mesma coisa não se sente da mesma maneira duas vezes. Mas e então como é que eu sei que é amor? Como é que eu reconheço algo cuja representação é em mim tão errada? Talvez não consiga ver nada porque tenho os olhos enevoados de lágrimas e a cabeça obscurecida de pensamentos. Talvez não haja nada para ver. Talvez eu não queira ver. Ando à procura de algo que não vai voltar, sem ter a consciência de que quero de volta algo que a razão nunca quis que regressasse. Claro que me lembro das coisas más. A razão lembra-se, mas o coração não. Estou perdida. Estou perdida? Estou cansada de estar perdida. Não posso dizer o que quero nem o que não quero porque sinto que perdi a vontade. Acho que deixei o coração lá atrás, acho que morreu o amor dentro de mim. É tudo passado. E o futuro? Foram mais de oito meses a suster a respiração à espera que chegasse o futuro, e quando o futuro chegou descobri que não estava pronta para ele.
22/08/11
trovoada de verão
Estes são os dias em que acordo pela metade. Assim que ganho consciência de mim ganho consciência de que me falta parte. Deve ser aquele bocado que conduz o dia a um propósito, que encadeia os dias numa razão. Não há propósito, não há razão. Deve ser aquele bocado que sente nas costas os olhos do público. Estes são os dias em que me parece que a minha vida é um filme sem audiência, um filme que ninguém vê. Ninguém me vê. Na verdade sou eu que não vejo ninguém. Estes são os dias de nevoeiro, em que não vejo ninguém. Se na minha frente fito apenas a neblina em branco espesso, não consigo também ver o que se passa aqui dentro. Não tenho os olhos revirados para dentro, não tenho os olhos focados para fora. Não tenho olhos? Estes são os dias em que parece que não tenho olhos, nem coração. Porque o coração está nos olhos. Sentei-me à chuva, esta tarde. A minha vontade era fundir-me com ela. Ser um trovão, um luminoso trovão. Quis ser a tempestade, quis chover em todo o lado, ser milhares de gotículas espalhadas por toda a cidade, ser milhares de pequenas explosões de luz, reflectir a luz e ser arco-íris. Estes são os dias em que quero desaparecer, fechar-me das palavras, não ter de as usar mais. Estes são os dias em que não me sinto aqui.
08/08/11
carregar o céu às costas
Sei que sabes que sou pequena demais para ser Atlas, mas sempre carreguei o céu às costas como os grandes, e o céu quase não caiu, esteve sempre - quase sempre - seguro lá no alto. A única grande queda foi minha. Está, eu sei, mas se eu não tivesse caído não terias cacos a apanhar.
24/07/11
isto sou eu a fritar
O mundo não muda em palavras. Essas servem apenas para dizer as mudanças. As mudanças e os estados. Resta agora saber se a dor é uma mudança ou um estado. Provavelmente será ambos, alternadamente ou cumulativamente. Mas se é um estado é um estado que antecede uma mudança. A dor serve para mudarmos. Ninguém gosta de dor, se a dor se torna prazer é porque algures no caminho deixou de ser dor. Por definição a dor é de afastar. Serve para mudarmos. É um dedo que nos apontam acompanhado de um berro de repreensão que nos diz «Vai». E mais cedo ou mais tarde temos de ir. Certo? Sim. Se estamos presos na dor como se de uma gaiola se tratasse é porque há uma outra mão a segurar a chave. Ou a nossa própria mão. Oh, tantas vezes a nossa própria mão. E é triste. Tudo porque o mundo não se mede em dor ou ausência de dor, há outras coisas pelo meio. Amor? Sempre, sempre o raio do amor, seja de que forma for. Ou o amor ou a pura maldade. Reparando bem na natureza das coisas, vai dar no mesmo. Os extremos tocam-se. O supremo bem e o supremo mal acabam por funcionar ambos como mãos segurando chaves trancando gaiolas prendendo-nos em dor. E se a pura maldade é perigosa porque parte de fora, o amor é ainda mais perigoso porque vem de dentro. De dentro ou de um sítio qualquer que ainda ninguém soube dizer onde. Seja como for, a pura maldade de infligir dor imputa-se a outro, o amor não, não dá para atribuir a ninguém. É tão inconvenientemente aleatório. Não tem cara, nem causa, nem culpado. Nasce como que do nada (sabendo-se de antemão que nada nasce do nada), cresce sem que queiramos, tantas vezes contra as nossas investidas e morre quando quer, quando nós não queremos. Ninguém quer ver o amor morrer. É um triste espectáculo ao qual assistimos de fora sempre que estamos de dentro. Mais ninguém sabe quando morre o amor, só nós mesmos, público consciente e impotente. E vamo-nos mentindo, tratamo-nos com paninhos quentes, adormecemos a consciência, paliativos, paliativos, e sem darmos conta vemo-nos a escarafunchar no nosso cerne à procura de uma coisa sem cara, sem causa, sem culpado, da qual sabemos apenas que outrora viveu. Fugimos da verdade e não é para menos: quando morre o amor, morremos nós. Aí está o outro gume da faca. É fodido. Amar é a dois. Tudo o que demais se relacione não é amor porque a mutualidade é inerente ao próprio conceito de amor. Amar parte de (ou então resulta em) deixarmos de ser um, passarmos a ser dois. Dar de nós, receber a contra parte. Não é fusão. Não são dois a tornar-se um, são dois a tornar-se quatro, eu e tu e tu e eu, eu em ti e tu em mim. Quando morre o amor não morro eu nem morrer tu, morre a tua parte em mim e a minha parte em ti. E é por isso que me sinto a morrer. É por isso que morri, morremos. Não na totalidade, mas na parte. Quanto mais tempo passa mais de mim passa para ti, mais morrerá. E é isto. Não é de fugir? É. Fugir do amor é fugir da dor. A dor é de fugir, tal como fugimos da pura maldade. E ainda assim, poucos são os sábios, muitos são os loucos. No fim, todos seremos. Dizem-nos que a vida sem amor é pobre. Será. Mas somos loucos quando mergulhamos voluntariamente num precipício de pura arbitrariedade. O amor é volátil, esvai-se em três momentos, e ainda assim aqui estamos todos nós a colocar nele o que de mais precioso temos sem estarmos de todo certos da contrapartida. Não há seguro, não há garantia, não há direito de arrependimento. Escolhes ir e vais, entras no remoinho e ele cospe-te quando quer e só quando quer. Porquê? Custa-me a crer que é tudo um mecanismo biológico para garantir a subsistência da espécie humana. Mas vai daí e sim, na pureza das coisas o que somos todos é animais.
17/06/11
Fodasse, menti. Achei que tinha ganho corpo, que tinha ganho cabeça, mas só perdi foi coração. Perdi tanto coração neste caminho. Perdi certezas, perdi vontade, agora vivo de vontades. Criei uma bolha à volta das dores e achei que tinha ganho maturidade. Mas o que ganhei foi máscaras. Disfarces para a dor, disfarces para o medo. Fundamentalmente para o medo. Agarrei-me às pequenas coisas e deixei de ver as coisas grandes. Agarrei-me às pequenas verdades e deixei de procurar as grandes verdades. Perdi o sentido do correcto e coloquei o alegre no seu lugar. Se me faz sentir bem, é bom. O mau é o que me faz sentir mal. Fodasse, perdi-me. Algures dentro de mim ainda mora um coração efervescente, que procura umas mãos onde bater. Que acredita que pode cair num lugar quente e seguro e ser feliz. E hoje sinto-o bater. Mas, fodasse, dói. Dói mesmo. E eu menti-me. Menti-me com tanta convicção que pensei genuinamente que tinha ganho corpo e cabeça. O que perdi foi o meu coração inocente. Em troca de alegria, pois claro. Só para aguentar os dias. Mas e se eu agora quiser um abraço que me faça sentir em casa, outra vez? Tenho medo. Fodasse.
15/06/11
Fui. Há aquela altura da vida em que te dizem que tudo o que sabias é mentira e tu não podes fazer mais nada, só ir. E vais, como eu fui. Ficas com o cérebro colado à parede de cima do crânio, e depois parece que já não consegues pensar fundo. Ficas com o coração colado à parede da frente da caixa torácica e depois parece que nada bate muito fundo, e não há nada mais que possas fazer. É ir. Vais até que te joguem um balde de água fria em cima e tu chegues à conclusão que mais valia estares quieta. Ou então descobres que chegaste onde querias e nunca lá terias chegado se não tivesses ido. Mas se nunca fores, não sabes. Por isso vai. Por isso eu fui. E se te magoares no caminho, não penses que é por não caminhares que não te cansarão as pernas. Na verdade cansa mais estar parado em pé do que caminhar. Fui. Tenho medo de ter largado tudo o que era seguro, mas o certo é que se me tiraram as verdades, tiraram-me o que me segurava a mim. E fui.
28/05/11
ao que sabe o outro lado do amor
Atiraram-me para a piscina sem eu saber nadar e eu nadei. Sabes? O que dizem e o que vêem não é a verdade. Eu não sou de verdade. E sei a verdade, sei a razão, sempre fiz o correcto. Mas o calor tem me impelido para errado. É arderem-me as pernas e caminhar para o errado. Experimentei isso. Nunca tinha cedido a passar para o outro lado, porque desde sempre estou aqui. Mas atiraram-me para a piscina sem eu saber nadar e eu nadei. Pois se o ar nos falta, fazemos o quê? Há que espernear. E depois as correntes fortes levam-nos. E cansei-me. De ficar parada? De ficar fechada. Presa. Prendiam-me. Eles, sim, eles prendiam-me. E afinal eu sou maior. Afinal até nado bem, ora vê. E a nadar também consigo ver as margens, posso ir lá ter quando quiser. Posso, posso. Dizem e vêem os meus sorrisos. As covinhas nas bochechas, o cabelo macio. É o que sentem. Sorrisos e alegria. Não é bem a verdade. Mas é o mais de verdade, agora. Só que o calor tem me impelido para o perigoso. Não quero estar mais fechada nas gaiolas do politicamente correcto. Porque tenho fogo no peito e vontade de gritar. Só porque sim. E tenho medo do silêncio, e tenho precisado de toque. É muita confusão aqui dentro e quero abracinhos calorosos. E tu és quente. Aí está. Fazes-me querer ficar do outro lado, solta das barreiras mentais. Portanto, quero um beijo teu. Mas não quero mais nada.
21/03/11
23 de janeiro
Se endireitares as costas vais parecer maior. E os teus cabelos ruivos vão balançar mais - não é bom? Eu gosto de os ver balançar, como chamas numa fogueira, sempre hipnotizantes. Sabes que o frio e o calor vêm mais do coração que do corpo, e olhar para chamas numa fogueira aquece-me como se as tocasse sem que me queimassem. Lembram-me de casa. Em casa havia sempre fogueiras no inverno. Parece-me que ando com frio crónico: duches quentes, cafés fervidos, fogueiras acesas - são pensamentos que me aconchegam e aquecem, mas o frio permanece. Tal como os teus cabelos quentes. Gostava que fossem meus e os pudesse escovar todos os dias. Ia parecer que acendia uma lareira todas as manhãs, não ia? Margarida, olha para mim. Se endireitares as costas pareces maior, e os teus cabelos de fogo vão balançar como chamas. E assim já ninguém vai ver que o azul que tens nos olhos é das lágrimas que tens guardado por chorar.
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