22/01/12

semi-heterónimo

Mordo os lábios para espantar o sono. Ou para chamar o sono, não sei. Há hábitos que se criam, como o de recalcar medos à hora de deitar, folheá-los como revistas leves em tardes de verão, comê-los como cerejas, uma a seguir à outra, outro a seguir ao outro - e assim tornar-se o pouco no muito, o aceitável no insuportável. Criam-se, estes hábitos. Não nascem connosco. Tanto que ultimamente o que me tem pesado é o cansaço. Cansaço como uma corda áspera e desfiada presa a um peso que me pesa para baixo. Mergulho, fecho os olhos, e vou. Ultimamente pouco do medo tem reinado na hora antes de adormecer. Mas se os hábitos se contrariam, logo arranjam maneira de subir ao de cima, ou de emergir de baixo, não saberei determinar. O certo é que de uma maneira ou outra, lá estão eles: em sonhos ou pesadelos, dependendo da terminologia adoptada, habitam a noite. E se adormeci com o coração acelerado, com ele acelerado despertei. E se há cansaço antes de fechar os olhos, a primeira coisa em que reparo quando acordo é que ele não me abandonou ainda. O que me vale são os teus braços quentes e o cheiro do teu pescoço, os teus olhos sempre iluminados e sempre a iluminar-me: o que me vale é que por entre tanto medo e tanto cansaço a tomar-me de ponta, a tomar-me a mim, ainda quero ter-me inteira para te dar a ti. E é por isso que luto todos os dias por manter a sanidade mental, dentro das balizas do humanamente possível - não desconsideremos que todas as pessoas perdem a partir de dada idade parte ou a totalidade da dita sanidade -, manter a esperança, não tomar tudo como derrotas prováveis, falhanços inevitáveis, e querer ser inteira contigo. Inteiramente feliz contigo.