24/07/11

isto sou eu a fritar

O mundo não muda em palavras. Essas servem apenas para dizer as mudanças. As mudanças e os estados. Resta agora saber se a dor é uma mudança ou um estado. Provavelmente será ambos, alternadamente ou cumulativamente. Mas se é um estado é um estado que antecede uma mudança. A dor serve para mudarmos. Ninguém gosta de dor, se a dor se torna prazer é porque algures no caminho deixou de ser dor. Por definição a dor é de afastar. Serve para mudarmos. É um dedo que nos apontam acompanhado de um berro de repreensão que nos diz «Vai». E mais cedo ou mais tarde temos de ir. Certo? Sim. Se estamos presos na dor como se de uma gaiola se tratasse é porque há uma outra mão a segurar a chave. Ou a nossa própria mão. Oh, tantas vezes a nossa própria mão. E é triste. Tudo porque o mundo não se mede em dor ou ausência de dor, há outras coisas pelo meio. Amor? Sempre, sempre o raio do amor, seja de que forma for. Ou o amor ou a pura maldade. Reparando bem na natureza das coisas, vai dar no mesmo. Os extremos tocam-se. O supremo bem e o supremo mal acabam por funcionar ambos como mãos segurando chaves trancando gaiolas prendendo-nos em dor. E se a pura maldade é perigosa porque parte de fora, o amor é ainda mais perigoso porque vem de dentro. De dentro ou de um sítio qualquer que ainda ninguém soube dizer onde. Seja como for, a pura maldade de infligir dor imputa-se a outro, o amor não, não dá para atribuir a ninguém. É tão inconvenientemente aleatório. Não tem cara, nem causa, nem culpado. Nasce como que do nada (sabendo-se de antemão que nada nasce do nada), cresce sem que queiramos, tantas vezes contra as nossas investidas e morre quando quer, quando nós não queremos. Ninguém quer ver o amor morrer. É um triste espectáculo ao qual assistimos de fora sempre que estamos de dentro. Mais ninguém sabe quando morre o amor, só nós mesmos, público consciente e impotente. E vamo-nos mentindo, tratamo-nos com paninhos quentes, adormecemos a consciência, paliativos, paliativos, e sem darmos conta vemo-nos a escarafunchar no nosso cerne à procura de uma coisa sem cara, sem causa, sem culpado, da qual sabemos apenas que outrora viveu. Fugimos da verdade e não é para menos: quando morre o amor, morremos nós. Aí está o outro gume da faca. É fodido. Amar é a dois. Tudo o que demais se relacione não é amor porque a mutualidade é inerente ao próprio conceito de amor. Amar parte de (ou então resulta em) deixarmos de ser um, passarmos a ser dois. Dar de nós, receber a contra parte. Não é fusão. Não são dois a tornar-se um, são dois a tornar-se quatro, eu e tu e tu e eu, eu em ti e tu em mim. Quando morre o amor não morro eu nem morrer tu, morre a tua parte em mim e a minha parte em ti. E é por isso que me sinto a morrer. É por isso que morri, morremos. Não na totalidade, mas na parte. Quanto mais tempo passa mais de mim passa para ti, mais morrerá. E é isto. Não é de fugir? É. Fugir do amor é fugir da dor. A dor é de fugir, tal como fugimos da pura maldade. E ainda assim, poucos são os sábios, muitos são os loucos. No fim, todos seremos. Dizem-nos que a vida sem amor é pobre. Será. Mas somos loucos quando mergulhamos voluntariamente num precipício de pura arbitrariedade. O amor é volátil, esvai-se em três momentos, e ainda assim aqui estamos todos nós a colocar nele o que de mais precioso temos sem estarmos de todo certos da contrapartida. Não há seguro, não há garantia, não há direito de arrependimento. Escolhes ir e vais, entras no remoinho e ele cospe-te quando quer e só quando quer. Porquê? Custa-me a crer que é tudo um mecanismo biológico para garantir a subsistência da espécie humana. Mas vai daí e sim, na pureza das coisas o que somos todos é animais.

5 comentários:

Anónimo disse...

obrigada por me seguires! adoro as tuas fotos, e os teus textos são lindinhos, pequenos tesouros. não sendo creepy, tens face? assim add-te por lá pq é-me mais fácil, eu só vou ao meu blog para postar umas fotografias e enfim! se quiseres, claro! beijinho*

Inês Ferreira disse...

Olha, ora essa! Ohh, e muito obrigada, a sério :) Tenho facebook sim e mandava-te o link só que não consigo comentar no teu blog nem enviar-te mensagem. Podes mandar tu o link e eu adiciono-te então!

Mariana Ambrósio disse...

é caso para dizer "o amor é fodido"!

Anónimo disse...

Que texto fantástico, Inês.

Rita Q. disse...

uau, uau mil e uma vezes.