20/11/11

Circundam-me mortos vivos
que querem comer as paredes do meu estômago.
E arranham-me as pontas dos dedos,
esmagam o meu canal auditivo,
apertam-me o nariz
e tapam-me os pulmões,
esgotam o oxigénio
e não me deixam respirar.

Martelam-me as memórias de outro dia,
como cantigas de sereias
que me querem afogar.
E são como promessas ao contrário,
correntes de ferro,
que me suspendem a centímetros do meu corpo,
e não me deixam entrar na minha cabeça,
me fazem gravitar em torno da minha vida.

E a sensação que tenho é que por um lado sou esmagada dentro de mim,
por outro lado sou expelida de mim própria,
e, enquanto mastigam as paredes do meu estômago,
tudo se banha em sangue espesso,
enquanto assisto aos meus movimentos,
como se estivesse presa do outro lado do espelho.

Tenho saudades dos dias em que as dores eram como penas doces,
porque tudo o que sinto agora são pedras dentro dos pulmões,
e rios por detrás dos olhos.

Tenho saudades dos dias em que não havia passado,
porque tudo o que sou agora é pedaços espalhados na atmosfera.

Quero ter-me de volta,
quero ter-me de volta,
para me poder dar a ti.

12/11/11

vê-me

Não vês os olhos inundados em buracos negros,
não vês os sonhos derramados em pesadelos cegos,
não desemaranhas os nós que crio,
não vês os meus ombros trementes de frio,
não me dás um casaco,
não me acertas o passo,
não me afagas os cabelos nem por um pedaço,
não me acendes a luz do quarto antes de ires,
não me aqueces a cama antes de vires,
não vês os passos quebrados
nem as vezes que caí aos bocados,
não sentes o medo em que foi o meu coração,
não sabes as águas que o afogarão.

Se o medo mata a nossa casa,
são melhores os meus buracos que te dão aflição.
E falta-me o tempo em que eu tinha certezas,
ou que me visses, então.

06/11/11

Na maior parte das vezes a angústia que sinto é um emaranhado disforme e de fonte desconhecida, como se o meu corpo rejeitasse o próprio espírito, ou o espírito rejeitasse o corpo. Sem nunca haver paz.

05/11/11

aos teus olhos

Fotografia por Alexandre Abreu.

04/11/11

que não morra a pouca arte

Uma prenda de aniversário, um projecto de início de aulas e um projecto de verão.
Gostava de ter arte para escrever um livro com tudo aquilo que aprendi.
Gostava de ter fé para voltar a (d)escrever o que se passa dentro de mim.

lá fora, inverno

Charlie

oásis

O pano de fundo da existência humana é a dor e o sofrimento. Tudo o resto são oásis de ilusão que irrompem no horizonte e que nunca poderão durar. O propósito de ser da existência humana é a procura desses oásis de felicidade. Mas até Einstein explicou que o tempo está contra nós, que se estende pela sede, voando na saciedade.

03/11/11

É estranho o lugar do passado dentro de mim. Finalmente arrumadas no devido lugar, raramente me assaltam as memórias de lugares vazios e esfomeados. E quando pondero sobre as coisas que passaram, tudo soa a ecos longínquos da chuva. Os rios não param de correr. E falo como se vivesse em verão pleno, mas só metaforicamente, porque tu sabes que comigo é ao contrário, que o calor me faz comichão e que o vento gelado me sabe a casa. Casa é chuva e folhas secas no chão e casacos e botas. Casa é o aconchego de cobertores e do ar aquecido por termoventiladores. Casa é os teus olhos sorridentes e a tua barba fofinha na minha bochecha. Casa é os teus dedos dos pés entrelaçados nos meus. Casa é as tuas costas macias, as tuas orelhas entre os meus dedos, o teu nariz e a tua boca. É estranho procurar escuridão dentro de mim e encontrar apenas conforto, procurar dúvida e perceber que, finalmente, cheguei a casa. É estranho ter uma pessoa como casa, é estranho querer uma casa com uma pessoa.