Ela tem os cabelos castanhos como fios de madeira e os olhos a fitar o que não se vê. Ele tem olhos de cor indefinida a fitar os cabelos castanhos dela.
Há palavras que não é preciso dizer para serem ditas; há gestos que formam palavras, por si só. E há sentimentos que não se podem transpor em palavras. O medo que ela sente, ao fitar o vazio, é intransponível em palavras. No vazio não há nada e ela tem medo desse nada porque nesse nada não há ele.
Ele, por sua vez, não sente nada que não se possa transpor em palavras porque não é dele sentir coisas assim. Isso é para aqueles que pensam no que sentem e ele sente sem pensar e pensa sem sentir. São coisas distintas que não se tocam. E, então, ao olhar para os cabelos castanhos dela, ele pensa no quanto é estranho como ela olha para o vazio com um ar desolado e não diz nada para depois o olhar nos olhos e sorrir de alívio.
Quando ela o olha nos olhos sente-se ela outra vez. Os olhos dele espelham-na, são olhos que brilham como reflexo do brilho do coração dela e isso fá-la sentir-se bem. O amor dela é o sol e os olhos dele são a lua que o reflecte. Era bom que houvesse sol nos olhos dele. Mas os olhos dele sem sol são melhores que nada, melhores que o vazio.
Ela é de pensar em tudo o que sente até que o sentimento seja maleável e não magoe o coração.
Ela é de pensar em tudo o que sente até que o sentimento seja maleável e não magoe o coração.
«Tens me magoado muitas vezes», diz ela, por fim.
Mas ele não compreende. Não quer compreender. Não a quer magoar, mas não é dele isso de se dar completamente a outra pessoa. E é isso que ela pretende, ele sabe-o bem.
Ele precisa dela quando precisa dela, o que não é sempre. Ela precisa dele sempre. E por isso está sempre presente para quando ele precisa dela. Mas ele não. E isso magoa, tem-na magoado muitas vezes.
Ambos acreditam no amor, é certo. Mas ela acredita no amor total e ele acredita no amor parcial. Ele não sofre por amor. Ela sofre apenas por amor.
Quando os olhos de cor indefinida dele se encontram com os olhos de cor bem definida dela, há sempre um sorriso, nem que seja interior, em cada um deles. A diferença está no tempo em que ele perdura para cada um deles. É uma questão de memória. É uma forma diferente de pensar. É uma divergência de perspectivas sobre o amor. É um desencontro.
16 de Novembro de 2009
4 comentários:
incrível. identifiquei-me tanto com este texto..
tocou-me mesmo. parabéns (: *
Um (des)encontro, quem sabe?x)
o grande desencontro está em que ele é um ele e nao um ela. (tu percebes-me)
Ia para dizer o mesmo do comentário anterior mas escuso de repetir :)
Por vezes, estas coisas acontecem.
Mesmo.
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