24/07/09

Verões passados

Quando as tuas jovens mãos brincavam com a areia
E tu sorrias com pureza de todas as palavras ouvidas,
O sol parecia bilhar com uma força mais clara,
A vida sucedia-se a cores vivas
E ouvia-se mais vividamente.
Todas as melodias, por mais melancólicas,
Acabavam com uma nota de esperança.
E é estranho que me lembre tão bem destes verões.
É que tem chovido tanto
Que os raios luminosos do sol,
As cores em que se desdobrava a realidade,
Surgem com a distância de algo irreal, como um sonho.
Mas a memória não me tiram,
As minhas memórias não morrem.
E como uma agradável história de adormecer
Lembro-me de todos os teus sorrisos
E dos mundos em miniatura que construíamos juntos
Moldando a areia molhada debaixo do sol quente do meio-dia.
Como estávamos iludidos!
Ou antes, quão inocentes éramos.
Éramos inocentes, quando pensávamos que podíamos ser felizes;
Éramos inocentes, ao acharmos que podíamos fazê-los felizes.
Mas acreditávamos em nós e na felicidade
E isso era o que bastava.
Mas depois tu perdeste-te.
Um dia choveu, e tu perdeste-te na chuva.
Nunca mais foste o mesmo,
Perdeste a inocência,
Perdeste a graça.
Como foi que te desencontraste de tal forma
Para que não desses mais com o nosso areal de brincar?
23 de Julho de 09

Pensamentos livres

Por mais luzes que apagues, por mais portas que feches,
Eu vou continuar a ver.
Por mais silêncio que faças, por mais paredes que ergas,
Vou continuar a ouvir.
E podes cobrir-me a cara com quantos panos quiseres,
Que eu vou continuar a falar.
Não importa em quantas gaiolas me encerres,
Continuarei a ser livre.
Ser livre é viver e tu não me podes impedir de viver
Porque eu vivo dentro de mim.
Que importa o mundo exterior,
Se dentro de mim sou como quiser?
Sou livre, porque não podes controlar o meu pensamento
E porque o meu pensamento controla toda a minha liberdade.
Sou livre porque posso sê-lo no meu mundo
E no meu mundo tu não entras.

20 de Julho de 2009

18/07/09

Aconchego

Quando acordei, reparei que estava sozinha.

Falei para tudo em meu redor,
Na esperança vã de obter resposta,
E abracei-me a mim mesma,
Na esperança vã de me aconchegar.
Chorei e fui o meu próprio ombro,
E nas (raras) vezes em que sorri,
Apenas eu sorri comigo.
Quando caí, tropeçada na minha sombra,
Levantei-me com a ajuda da minha própria mão.

Apenas o vento gelado melodizava a minha solidão,
Acompanhado pelo som de correrias ao longe.

E eu senti tanto frio.

Quando acordei, quis que me abraçasses.
Talvez assim o vento não fosse mais gelado,
Talvez assim as correrias não fossem um som tão distante.

18 de Julho de 09

10/07/09

O meu querer

Às vezes sinto-me tão pequena,
Como se o céu fosse demasiado longe para eu tocar.
E depois tu lembras-me que eu posso chegar onde quiser.

Às vezes sinto-me tão fraca,
Como se o vento que sopra fosse forte o suficiente para me derrubar.
E depois tu lembras-me que eu só cedo quando quiser.

Às vezes sinto-me tão perdida,
Como se o mundo fosse uma estrada demasiado longa para eu caminhar.
E depois tu lembras-me que há sempre lugar para eu pisar onde quiser.

Às vezes sinto-me amparada,
Como se estivesses presente em cada momento que eu precisar.
E depois percebo que tu não és real,
E tu lembras-me que existes sempre que eu assim quiser.
9 de Julho de 2009

09/07/09

Ilusões

Eu sou a figura pequena
Deambulando determinada pelas ruas
Que se perde na imensidão.
Eu sou essa espécie de sombra
Que olha invariavelmente para cima
Nunca para baixo.
E podes ver-me quando quiseres
Admirando as nuvens no céu
E as árvores estendendo-lhes os seus ramos.
E podes ouvir-me sempre que precisares
Cantando baixinho enquanto caminho.
Às vezes falo para mim,
Porque nem sempre consigo manter
Todos os meus pensamentos
Dentro da minha cabeça.
Sim, eu sou essa figura meia perdida
Com um ar convicto e concentrado
Mas sempre com uma névoa sonhadora no olhar
E reparei que tens olhado para mim,
Escondendo-te atrás dos muros
E seguindo os meus passos.
Não penses que eu sou o que tu pensas
Pois o que quer que estejas a pensar, não o sou.
Sou sempre mais difícil que isso
E, sim, muito mais estranha,
Como uma espécie de irrealidade
Inesperadamente figurada em mim.
Mas podes continuar a observar-me
Que eu vou continuar a fingir-me razoável
Só para que me possas ver.
8 de Julho de 2009

05/07/09

Hoje deitei-me sem nada para sonhar
E isso assustou-me profundamente.
Espremi-me, contorci-me,
Vasculhei por todo interior do meu ser,
Mas não encontrei nada
E nesse momento senti-me temerosamente vazia.
É como se dentro de mim não houvessem mais fantasias,
Mais pensamentos agradáveis.
Como se nada mais me emocionasse,
Nada mais tomasse o controlo sobre mim,
Nada me fizesse sorrir compulsivamente.
E isso assustou-me tanto.
Tenho muito medo, sabes?
Medo de que nada mais me faça o coração acelerar,
Medo de que ele continue a bater eternamente
Neste ritmo regular.
Tenho medo da monotonia,
Medo da razão,
Medo da sobriedade.
Por isso, se me fizeres sentir alguma coisa, podes entrar.
Não importa que me magoes.
Se me fizeres sofrer, não me interessa,
Contando que eu sinto alguma coisa.
Vem, entra. Desde que me dês algo com que sonhar.


5 de Julho de 09

04/07/09

A história da nossa passagem

A melodia ecoa na sala vazia e infértil
Ilustrando a nossa passagem,
Porque nem tudo se transpõe em palavras
E estas palavras não existem
Teríamos de as inventar.
E a melodia prossegue, ressoando
No vácuo da nossas mentes
Enchendo-as de memórias
Da nossa passagem.
Pelo tempo que desperdiçámos
Com palavras ocas, triviais e comuns,
Tentando descrever o indescritível,
Verbalizar o coração,
Vamos reescrever
A história da nossa passagem.
Não vamos desperdiçar as letras
Nem perturbar o silêncio
Com palavras que se perderam.
Não. Vamos reescrevê-la com melodias.
Deixemos os verbos de parte,
Na história da nossa passagem.
4 de Julho de 2009

03/07/09

Cordas

Foi assim que me amarraste, com apenas um olhar,
Uma expressão nos teus olhos que me atou
Como muitas cordas, impedindo-me os movimentos.
E com apenas uma palavra emudeceste-me de tal forma
Que não disse nada, apesar dos inúmeros pensamentos
Que assomaram, no momento, à minha mente.
E por favor não o repitas.
Não voltes a olhar-me dessa forma,
Não pronuncies de novo tais palavras,
Não, eu nunca mais quero perder a coerência.

E vou repetir estas palavras tantas vezes,
As vezes necessárias para que se tornem verdade,
Como se de facto eu não gostasse do que ouvi,
Como se eu tivesse ficado igual depois de ver como me olhaste.
É impossível.
Não posso escondê-lo, nem de mim mesma,
Que gostava que me deixasses uma vez mais sem palavras.


2 de Julho de 2009

01/07/09

Desfecho

Cada passo que dou nesta estrada cujo fim sou eu mesma
Parece afastar-me mais e mais do seu termo.
E, assim, pergunto-me porque é que repito sem fim os mesmos erros.
Eu sei que percorro o meu caminho por vias erradas,
Piso chãos que não me pertencem,
E ainda assim tenho a ilusão de vir atingir o fim.
Porque é que eu insisto em procurar-me dentro de ti?
(porque eu não me consigo ver em mim,
mas apenas reflectida nos espelhos dos outros)
Eu sei que se eu seguisse o meu caminho
Indiferente, independente, determinada,
Se respeitasse as fronteiras e tomasse as direcções certas,
Se eu caminhasse sempre na mesma linha,
Em vez de me guiar por forças desconhecidas
Que me fazem andar em curvas fechadas,
Eu iria dar comigo mais depressa.
Mas não. Eu escolho andar em círculos,
Ou pelo menos não me consigo forçar a outra maneira,
E cruzo caminhos,
Avanço e regresso,
E é assim que tento descobrir quem eu sou.

E o estranho é que eu sei que é por isso que a cada passo que dou,
Estou mais longe, mais distante ainda,
Do fim, que sou eu mesma.

Talvez esteja na altura de mudar.

30 de Junho de 2009