30/09/09

Há um lugar dentro de mim
Onde nunca antes consegui chegar:
Um lugar que mascarei com o silêncio,
Um lugar que camuflei com as palavras,
Um lugar que desviei com o pensamento,
Um lugar que abafei com a razão,
Um lugar que adormeci com a rotina,
Um lugar que sempre tive medo de abraçar,
Um lugar onde as palavras são altas,
Um lugar onde os sorrisos são fáceis,
Um lugar que se perdeu no meu passado,
Um lugar que pensei que não voltava.

Há um lugar dentro de mim
Onde chego sempre que estás ao meu lado.
E não há pensamentos que me sirvam,
Não há razão que me controle:
Contigo sou sempre eu nesse lugar.


30 de Setembro de 2009

28/09/09

Há tanto que não te digo, que não te podia dizer
Pois se te dissesse, diria as palavras e muito mais.
E é verdade que as palavras valem mais que as suas letras
E estas valem-me a mim; valem o meu coração;
Valem a tua cara sempre gravada atrás dos meus olhos;
E o sorriso colado nos meus lábios que não esmorece.
Mas se te dissesse, se um dia quebrasse as regras do mundo,
A minha boca abrir-se-ia num sorriso tímido e articularia:
«Adoro a cautela nos teus olhos, e os bichinhos no teu corpo
Que não te deixam ficar quieto ao meu lado».

28 de Setembro de 2009

25/09/09

O meu vazio

Não consigo sentir o chão sob os meus pés
E não vejo nenhum céu ao meu alcance.
Nado sozinha neste vazio absoluto
E nada me surge sólido o suficiente
Nada me parece real, nada é tão forte,
Não há nada a que me possa agarrar.
E depois tu chegas com o teu ar triunfante
E com um sorriso infantil nos olhos,
Nadando em paralelo no meu mundo vazio.
E eu tenho a certeza que tu existes:
O meu toque diz-me que és sólido,
Vejo o teu coração palpitante com nitidez
E ouço-te a cantar baixinho sempre que passas.
E o que eu mais quero é que sejas forte,
Que existas para sempre no meu mundo,
Para então me poder agarrar a ti,
Para seres tu o meu céu e o meu chão.

E não consigo sentir o chão sob os meus pés,
Não vejo nenhum céu ao meu alcance.
Mas debaixo da minha mão sinto a tua
E ambos perdidos, nadamos no meu vazio.
25 de Setembro de 2009

22/09/09

Uma mão à volta da minha cintura e outra a segurar a minha mão. Chegas-me para perto de ti e começamos: um passo para a esquerda; um passo para a direita.
- Estamos a dançar, vês?
Não dizes nada, mas o teu sorriso apaga todos os rostos à minha volta e agora somos só nós os dois a movermo-nos desajeitadamente. Tentamos encaixar no ritmo da música, mas tudo o que ouço é o bater do meu coração acelerado e, debaixo da minha mão, no teu peito, um palpitar ao mesmo ritmo.
- Eu disse que nunca dançava e agora estamos a dançar!
Parecias orgulhoso, como uma criança que se portou bem e espera uma recompensa. E tudo o que eu consegui articular na minha cabeça foi “Que importa a dança? Que importa o mundo?» Nada.

21/09/09

Todas as letras

Digo-te o que digo com todas as letras
E sinto-me menos minha a cada dia,
O meu humor vai oscilando
De profunda insatisfação a alegria.
E gostava que soubesses
As coisas que eu nunca te diria.

Julguei que tu nunca partias
Ou que nem vinhas para ficar
E agora estou suspensa numa corda
E luto para não me soltar.
E gostava que soubesses
Coisas que não irei verbalizar.

Bem que queria saber tudo:
O hoje, o amanhã, o teu interior,
Mas o meu limitado saber
Deixa-me presa no “supor”.
E gostava que me dissesses
Coisas que me apagam a dor.

Digo-te com todas as letras:
Peço-te que me guardes bem,
Não quero afundar-me em medo
Nem por ti, nem por ninguém.
E gostava de ouvir mais vezes
As coisas que me fazem bem.

(Até me fazerem mal.)
21 de Setembro de 2009

19/09/09

(Fugir para dentro de mim)

Todas as luzes estão apagadas e eu continuo acordada
A remoer palavras, a esconder-me de mim,
Dos pensamentos que me esforço por conter,
Mas que são uma presença constante.
E tu és um deles.

Sei que caminho para dentro do meu ser,
Cada vez mais para o interior
Pois só dentro de mim estou segura.
O mundo é um lugar cheio de dor
De sonhos quebrados, momentos esgotados
E por mais que eu queira ver a luz,
Sei que um dia se irá apagar.

Por isso tenho medo, muito medo.
Não me quero dar outra vez
Para perder mais um pedaço de mim.
Não, eu não sou tão forte assim.
Não me consigo recompor de uma nova queda
E não quero que me quebres de novo.

Então continuo a caminhar para dentro de mim,
Cada vez mais para o interior,
Até que tu e as tuas palavras me façam querer regressar.
E vou me perdendo mais um pouco
De cada vez que elas me magoam e me fazem
Fugir para dentro de mim.

19 de Setembro de 2009

18/09/09

Por mais que te tenhas escondido
Nunca deixei de te ver
E por mais que tenhas desaparecido
Voltaste sempre a aparecer.
Nunca me disseste quem eras
E eu nunca te vou dizer quem sou.
E por mais que tenhas ido
Não vou negar o que passou.
Não, nada pode ser feito
Para mudar o que mudou.
Por mais que te tenhas escondido
Eu nunca deixei de te ver
E podes ir quando quiseres
Que tu nunca vais morrer.
Por mais que te escondas de mim,
Por mais que ninguém de veja,
Sei que nunca te vou perder.

18 de Setembro de 2009

13/09/09

Não é que não hajam palavras suficientes,
Apenas não há as palavras certas:
Há palavras muito grandes,
E outras demasiado pequenas.
Nenhuma se ajusta na perfeição
E nem se usarmos diversas palavras,
Nos empenharmos na construção de frases,
O vamos conseguir definir com exactidão.
E se a definição não é exacta,
Acaba por prejudicar o conceito.
Assim, continuamos nesta incerteza de palavras,
Nesta indefinição de pensamentos,
O que a mim, a obstinada por verbalizações,
Não deixa de me saber muito bem.
É por isso que esquecemos as palavras,
Que não nos podem ajudar,
E vamos vivendo de momentos.

13 de Setembro de 2009

12/09/09

O mundo e os seus horrores

Uma rua escura, apenas.
Escura não só pela ausência de luz, na sua estreita passagem sufocada por edifícios altos, degradados e enegrecidos de sujidade; escura não só pela hora tardia, em que a própria Lua parecia um astro demasiado distante para iluminar o que quer que fosse. Escura especialmente pela ausência de qualquer felicidade, de qualquer esperança, alento, calma, saciedade; escura sobretudo pela falta de Luz. Uma rua escura que continha todo o mal do mundo, multiplicado nos seus horrores.
Vi o mal nas filas de mulheres-marionetas despojadas de qualquer humanidade, que recitavam a quem passava frases feitas sobre o amor e o prazer.
Vi o mal nas crianças nuas e emagrecidas que se banhavam na lama, e jogavam com os seus brinquedos fantasma.
E encostado ao canto, numa parede, vi o mal num homem que tremia entre o consciente e o inconsciente, vi os horrores no seu olhar suplicante, na sua testa suada, na sua dependência, sua fragilidade tão clara.
Ao longe um homem embriagado bradou desesperado “é necessário acertarmos sempre para sermos bons mas basta-nos errar uma vez para sermos maus”.
Um grupo de homens armados, com um olhar assustador, avançou sobre o homem caído no canto e toda a gente desviou o olhar, tapou os ouvidos, ao som dos seus gritos agoniantes misturado com o som de gargalhadas.


E perante os horrores que desfilavam à minha frente consegui distinguir a tua voz aterradora “Limita-te olhar”, sussurrou-me a voz, “E sorri”.

31 de Julho de 2009

Amor-próprio

A rapariga entrou na sala dando passos amplos e confiantes:
Era daquelas pessoas que enchia os lugares de alegria,
E hipnotizava todos com as suas palavras.
E quando mexia no seu cabelo esvoaçante
Acendia chamas no olhar de toda a gente.
Tu estavas lá nesse dia e o teu olhar moveu-se na sua direcção.
Tu, que eras daquelas pessoas que era como todos os outros,
Sorriste à sua passagem, extasiado pelo seu brilho ofuscante.
Não finjas que eu não vi os teus olhos reluzirem quando ela falou contigo,
Não finjas que não te embrenhaste no seu encanto,
Que não amaste todo o seu esplendor.
Eu sei que sim, não me mintas,
Pois se há coisa que não me magoa é tudo isto, por certo.
Não fui feita para invejas. Não fui feita para venerações.
Alguém que é tão amado assim é porque se ama a si mesmo muito mais
E eu não fui feita para me amar dessa forma,
Não fui feita para venerações.
E sei que a amas profundamente, assim como amas tudo o que é feliz,
Mas aviso-te, desde já, que ela nunca te amará:
Quem se ama a si assim tanto, não ama mais ninguém dessa forma.

9 de Setembro de 2009

11/09/09

Crónica de um mundo sem sombras

Mergulhei num turbilhão de cores,
Num mundo onde tudo são sorrisos,
Em que o palpitar do meu coração
É o constante som de fundo.
Alheei-me de tudo o resto
Para me concentrar apenas na viagem:
Um mergulho veloz e inesperado
Num mundo que desconhecia
(acho que já estive aqui antes).
E agora sinto-me a flutuar.
Já não controlo as palavras:
O que eu digo é o meu coração,
Livre de censuras da razão.
Neste mundo não há razão.
Estou a flutuar.
Uma espécie de corrente arrasta-me
E agora não controlo as minhas acções.
Contigo tudo são cores,
O mundo parece a correr.
Depois de ti há silêncio,
O meu coração abranda,
A minha mente enche-se de dúvidas.
Estou a regressar à superfície,
Num lugar onde não há cores,
Num lugar onde só há medo.

11 de Setembro de 2009

10/09/09

Fugida

Dás mais um passo e não voltas,
Basta-te dar mais um passo.
E para conter o meu choro,
O meu triste pranto crasso,
Dou-me por mim a sorrir:
Tu, que nunca foste de verdade,
Estás neste momento a ir.
E tanto que sonhei com a tua ida
Que me pareceu sempre a acontecer,
Sei que nunca foste mesmo.
E agora, meu amor,
Estás de facto a desaparecer.
Mais um passo, um passo apenas,
E sinto as estrelas tão pequenas,
Sinto a lua tão distante.
Inclinas o corpo e sorris.
«Adeus», leio no teu olhar penetrante
Estas palavras que a tua boca não diz.
E por fim, dás o teu passo,
O derradeiro, o final.
Ouço os portões a abrir-se;
Ouço-te no escuro a correr.
Os teus passos são facadas,
Cortes profundos a doer.
E no teu último passo
Sinto-me, amor, a morrer.

9 de Setembro de 2009

08/09/09

Pensamentos do vento

Continuei a caminhar como se nada fosse, mas o meu coração batia tão depressa que era impossível ignorá-lo. Tentei com todas as minhas forças abstrair-me de ti, concentrando o meu pensamento nos pormenores que me rodeavam: o chão empedrado que escorregava por causa do tempo chuvoso; o ruído envolvente, típico de uma rua movimentada, resultante da fusão de diversos pequenos sons num só; as árvores despidas, particularmente belas; o vento gelado que tanto agradeci por me manter as ideias arrefecidas. Fui bem sucedida, mas por pouco tempo, pois, segundos mais tarde, tu assomaste de novo à minha mente, desta vez para o resto da viagem.
As tuas palavras continuaram a ecoar, como um disco a repetir-se vezes sem conta “Talvez fosse bom tu ficares”, disseste, “e eu é que devia partir”.
Se quiseres parte. Não precisas que eu fique para isso, pois não? Pensas que se eu ficar (e tu partires) vai ser como antes? Não te iludas, não o permitirei. Se já me quebraste em mim pedaços, se já desmoronaste todo o meu ser com as tuas palavras, não penses que te deixo repeti-lo. Basta-me uma desilusão de cada vez e não a mesma desilusão continuamente. Tu vais e eu vou. Assim, nenhum de nós fica à espera do outro.
Toda esta verdade, ordenada, lógica, sensata, se formou na minha mente enquanto caminhava no passeio. É ridículo como não me lembrei de te dizer tudo isto quando as tuas palavras desabaram o meu mundo. Parece que tive medo de te contrariar. “Sim, eu fico. Sim, eu espero”, foi tudo o que te disse. Lamento não ser isso o que eu te queria, de facto, dizer.

Julho de 2009

Memórias do meu degrau

Tu vieste devagar e sentaste-te ao meu lado. Não disseste nada e eu pensei que se tu não falavas, não era eu que ia falar. Era tão desnecessário dizer alguma coisa: o silêncio dizia tudo por si só; e foi assim que acordámos silenciosamente em preservá-lo, como se de algo preciso se tratasse. A tua mão pousou sobre a minha, mas nada no teu olhar se alterou e continuaste a fixar o vazio ou um ponto demasiado distante no horizonte. Sei disto porque lembro-me de não me conter e olhar para ti, quebrando a promessa que fizera a mim própria de nunca mais me exaltar quando me tocasses. É ridículo como me lembro que pensei que não seria assim tão difícil. É. É e continuará a ser. De cada vez que vieste ter comigo, de cada vez que repetimos este procedimento fundamental, o meu coração nunca abrandou.
Mas agora nunca mais vieste. Continuo sentada no mesmo degrau à tua espera, mas tu nunca mais vens. `S vezes quando ouço o quebrar longínquo das folhas secas, quando ouço o remexer dos arbustos, quando distingo uns passos lentos que se aproximam, tenho esperança que sejas tu. Mas nunca és.
E então sinto-me perdida, sem ti para construíres o silêncio comigo.

Julho de 2009

A avenida das almas

Centenas de pessoas de diferentes tamanhos, sexos e idades mas, estranhamente, formando uma massa humana uniforme, prosseguiram na sua marcha silenciosa. Os seus olhos vazios, como que hipnotizados, não se moviam, olhando apenas e invariavelmente para a frente. Ninguém dizia uma palavra e os passos, coordenados uns com os outros, eram o único som na avenida que ligava o Norte e o Sul da cidade. Mas eram tão constantes e ritmados que deixavam de ser barulho para se misturar com o próprio silêncio.
Ao longe, alguém tossiu. Os passos cessaram, mas todas as mentes continuaram submersas no silêncio, todos os olhares continuaram focados no vazio. Quando a tosse parou, a marcha retomou instintivamente, com naturalidade. Nada se alterara e o ritmo da passada recomeçou, exactamente igual, como se nunca tivesse sido interrompido.

“Quero a minha alma. Quero a minha alma de volta.”

Era apenas um rapaz. Um rapaz pequeno de corpo emagrecido, face ossuda e uns olhos grandes, uns olhos grandes e despertos que já não fitavam o vazio. Não eram ainda olhos humanos, mas havia neles mais vida que nos restantes olhos, que continuavam a fitar o nada.
Os passos cessaram, como sempre que se ouvia algum som diferentemente do passear constante e ritmado. Então o rapaz repetiu “Quero a minha alma de volta.”.
Par a par, os olhos foram despertando, seguindo-se uns aos outros: olhos que não eram humanos, mas que já não eram de fantasmas.
Duas filas atrás, uma mulher murmurou, a medo, “Quero a minha alma de volta”, seguida de um homem, fazendo um enorme esforço de concentração: “Sim. Quero a minha alma de volta.”
E, na multidão, foram irrompendo várias vozes, tremendo com a nova sensação de convicção, exigindo que lhes devolvessem as suas almas.
Então, centenas de pessoas de diferentes tamanhos, sexos e idades mas, estranhamente, formando uma massa humana uniforme, continuaram na sua marcha, agora gritando em uníssono,
“Quero a minha alma de volta.”

Julho de 2009

Os invisíveis

Ela avançou mais uns passos a medo. Não podia andar muito depressa porque isso era como se estivesse com pressa e apesar de estar, de facto, com pressa, isso não podia transparecer em algum momento nas suas acções. Tentou iludir-se, acreditando que ninguém repararia o quão ansiosa estava, mas depressa descobriu quão ridículo era esperar que as suas faces coradas, o seu respirar acelerado, os seus olhos humedecidos passassem despercebidos a toda a gente. Porque é que era tão difícil?
Sentiu que todos os olhos estariam em cima dela quando entrasse no corredor. Novidades. Toda a gente gosta de novidades. Ela, naquele lado do mundo, àquela hora, com aquela apresentação, era sem dúvida uma novidade.
Ao abrandar os passos, preparando-se para abrir a porta, pegando na maçaneta, o ritmo cardíaco triplicou. Passou-lhe pela cabeça fugir, desaparecer; desejou ardentemente ser invisível. Mas apenas por um segundo, apenas na fracção de tempo que demorou a percorrer com o olhar a multidão de olhos postos nela, apenas até ao momento em que uns olhos escuros e inexpressivos trespassaram o lugar onde ela se encontrava em pé, como se conseguissem ver até à parede atrás de si. Depois disso, depois de se cruzar com esses olhos, todo o medo se foi como se nunca tivesse chegado a existir, tudo se apagou abruptamente da sua cabeça, agora ocupada apenas com aquele olhar. Nada mais. Nada mais para além dele, dos olhos dele, ocupava a sua cabeça. Nada mais para além da indiferença com que estes a olhavam, sem sequer a ver.

Julho de 2009
Dei três passos no meu caminhar doloroso
E nesses três passos não saí do lugar.
Na minha mente, o mesmo sorriso caloroso,
No meu peito, o mesmo dorido pesar.
E a dúvida que me persegue, não pára de me assombrar.

As tuas palavras ficam presas na minha cabeça,
Como uma canção que não se esquece, persistente.
E por mais que tente contrariar as minhas memórias
Estou sempre confusa do que o meu coração sente.
E a dúvida que me persegue, assombra-me constantemente.

Lembro-me de me agarrar a ti com toda a força,
De usar a minha vontade de não te deixar morrer,
Lembro-me de sofrer na tua ausência,
De olhar para o teu retrato, decorar as tuas feições, não me esquecer.
E a dúvida que me persegue, pareceu-me estar a esvanecer.

Pedi-te que não partisses, mesmo sem o verbalizar.
Os meus olhos pousados em ti disseram as palavras
Que a minha mente se esforçava por não pensar.
E por mais que tente contrariar as minhas memórias,
Juraria que percebi as palavras escondidas no teu olhar.

8 de Setembro de 2009

Menina das palavras

Ela tinha a cabeça sempre muito cheia de palavras:
Tudo o que via eram palavras,
Tudo o que sentia eram palavras.
E quando pequenos turbilhões de sensações
Tão estranhas que não se podiam transpor em palavras
Afluíam à sua mente, ela ignorava-os.
E assim, na sua cabeça, não havia nada mais que palavras.
Mas um dia as palavras tornaram-se tão pesadas
Que pensar nelas deixou de ser suficiente.
Então, ela escreveu-as em papelinhos cor-de-rosa,
Dando-lhes corpo e forma.
As palavras deixaram de ser a mesma cadeia de letras flutuantes
Que se cruzava na sua cabeça.
Assim, escritas, ela pôde pegar nelas,
Contemplá-las, escondê-las e destruí-las.

Agosto de 2009

Um sonho que não ficou

És uma presença constante na minha mente:
Apareces em todo o lado,
Estás escondido atrás de cada pensamento.
Tu, um clarão de luz repentino,
Uma fonte de alegria inesperada,
És agora uma mágoa persistente,
És agora medo.

À minha volta, está tudo escuro,
Os meus olhos vêem tudo escuro
Agora que a fonte de luz desapareceu.
Tu encadeaste-os de tal forma
Que nada parece luminoso o suficiente.

Tu, que eras como ópio, adormecendo todas as minhas dores,
Agora és a própria dor.
És a dor de precisar desesperadamente de te ver
E saber que não voltarás.
És a dor de saber que o meu sofrimento vai passar
E vou voltar a ser a mesma de sempre.
Como se tudo o que vivi tivesse sido um sonho,
Um sonho que acaba sempre.

Estou farta de dar mil passos dolorosos de cada vez,
Para nunca chegar a sair do mesmo lugar.

Estou farta de pensar em ti como tu és:
Um sonho que não ficou.

8 de Setembro de 2009